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Crime continuado e requisito subjetivo. A unidade de desígnios.

13 13-03:00 dezembro 13-03:00 2010 Deixe um comentário

HC. CONTINUIDADE DELITIVA. REQUISITOS.

A Turma denegou a ordem de habeas corpus para não reconhecer a continuidade delitiva entre os delitos de homicídio praticados pelo paciente. Para a caracterização do crime continuado, consignou-se que o STJ vem adotando a teoria mista, a qual exige o preenchimento dos requisitos objetivos – mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução – e do subjetivo – unidade de desígnios. In casu, asseverou o Min. Relator que entender de modo contrário à conclusão do tribunal a quo de que tais requisitos não teriam sido cumpridos demandaria revolvimento fático-probatório dos autos, o que não é possível em habeas corpus. Salientou, ademais, que eventual modificação da sentença condenatória, in casu, exigiria ainda mais cautela por se tratar de julgamento proveniente do tribunal do júri, em que impera a soberania dos veredictos. Precedentes citados do STF: HC 89.097-MS, DJe 24/4/2008; HC 85.113-SP, DJ 1º/7/2005; RHC 85.577-RJ, DJ 2/9/2005; HC 95.753-RJ, DJe 6/8/2009; HC 70.794-SP, DJ 13/12/2002; do STJ: HC 142.384-SP, DJe 13/9/2010, e HC 93.323-RS, DJe 23/8/2010. HC 151.012-RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 23/11/2010.

 

A existência do requisito subjetivo à configuração do crime continuado, consistente na “unidade de desígnios”, diferencia a teoria objetiva da mista (ou objetivo-subjetiva). A primeira aduz que pelos requisitos objetivos (circunstâncias de tempo, lugar, maneira de execução etc) é possível aferir a existência de uma unidade criminosa entre vários delitos, a ensejar reprimenda mais amena por motivos de política criminal.

Para a segunda corrente imprescindível também o requisito subjetivo, a “unidade de desígnios”, que se caracteriza pela vontade deliberada de praticar mais de um delito nas condições do art. 71 do CP. É exatamente essa intenção que justifica reprimenda menos severa.

Infelizmente, poucos manuais de Direito Penal tratam desse requisito subjetivo. Mas, analisando o art. 71 do CP, infere-se que o legislador não exigiu qualquer elemento de ordem subjetiva para a continuidade delitiva, contentando-se apenas com aqueles de ordem objetiva. Daí porque a interpretação extensiva ignoraria o princípio da legalidade estrita em Direito Penal.

Quer parecer que o legislador penalista, ao elencar vários requisitos no art. 71 do CP, o fez justamente para afirmar que a presença de tais requisitos faz presumir em absoluto a unidade criminosa, dispensando-se a perquirição da “unidade de desígnios”.

Contraditório após parecer do MP em segundo grau. Um ping-pong desnecessário.

13 13-03:00 dezembro 13-03:00 2010 Deixe um comentário

PARECER. MP. CONTRADITÓRIO.

O parecer do Ministério Público ofertado em segundo grau de jurisdição, na qualidade de custos legis e não de parte (no caso, o previsto no art. 610 do CPP), não enseja contraditório. Portanto, a falta de manifestação da defesa a seu respeito não causa nulidade. Precedentes citados: HC 128.181-SP, DJe 9/8/2010, e HC 127.630-SP, DJe 28/9/2009. HC 163.972-MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 4/11/2010.

 

O aresto em comento assentou a desnecessidade de oitiva da defesa após o parecer do Ministério Público em segundo grau.

A divergência tem origem no entendimento doutrinário no sentido de que, ofertado parecer condenatório – pelo Ministério Público, a defesa teria direito a se manifestar sobre ele antes do julgamento.

De outro giro, argumentava-se que, em segundo grau de jurisdição, o Ministério Público atua como fiscal da lei, daí porque desnecessária a manifestação da defesa após o parecer do Parquet.

Com a devida vênia, concordamos com o acórdão. O exercício da ampla defesa e do contraditório já ocorreu desde o início do processo. O parecer do Ministério Público, em termos práticos, não trará qualquer elemento ou circunstância que não esteja nos autos, sobre o qual a defesa já não teve a oportunidade de se debruçar. Excepcionalmente, se o parecer ministerial trouxer ao processo algum fato ou documento inexistente até então, deverá ser a defesa intimada para se manifestar.   

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Crime envolvendo índio. Competência da Justiça Federal ou Estadual?

13 13-03:00 dezembro 13-03:00 2010 1 comentário

CC. TENTATIVA. HOMICÍDIO. ADVOGADO. SILVÍCOLA. MENTOR.

Trata-se de conflito de competência (CC) em que figura como suscitante o juízo estadual e como suscitado o TRF da 1ª Região. In casu, ocorreu tentativa de homicídio contra um advogado, crime do qual seria mentor um silvícola. Nesta superior instância, ao apreciar o conflito, inicialmente ressaltou o Min. Relator ser verdade que a competência federal penal, principalmente nas causas que envolvam índios, é alvo de inúmeras dúvidas doutrinárias e jurisprudenciais, sempre havendo vozes dissonantes. Entretanto, é possível valer-se de um princípio para definir se determinada ação deve tramitar na Justiça Federal ou na Justiça estadual: trata-se do princípio da preponderância do interesse da União. Na hipótese, a motivação da tentativa de homicídio seria a penhora de um micro-ônibus pertencente à associação indígena para saldar dívidas. Assim, entendeu o Min. Relator que, interpretando em conjunto o art. 3º da Lei n. 6.001/1973 e o art. 231 da CF/1988, não há como negar que, no caso, a motivação para o crime extrapolou o interesse privado (individual). É que, sendo vedada a implantação de garimpos particulares em reservas indígenas, criou-se uma maneira indireta de fazer a extração dos bens minerais escondidos em seu subsolo. Convenceu-se a comunidade indígena daquela região acerca da necessidade de aquisição de bens materiais modernos, sabendo-se que jamais seus membros teriam como quitar as dívidas contraídas. Desse modo, não se aplica à espécie o enunciado da Súm. n. 140-STJ, já que houve indubitavelmente disputa sobre direitos indígenas, o que atrai a competência da Justiça Federal. Diante dessas considerações, entre outras, a Seção conheceu do conflito e declarou competente a Justiça Federal, determinando a remessa dos autos ao TRF da 1ª Região a fim de prosseguir o julgamento do recurso em sentido estrito interposto pela defesa contra pronúncia que submeteu os réus a julgamento pelo tribunal do júri. Precedentes citados: CC 93.000-MS, DJe 14/11/2008, e HC 65.898-MS, DJ 14/5/2007. CC 99.406-RO, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 13/10/2010.

A questão refere-se à divergência de competência, se da Justiça Estadual ou Federal. A súmula 140 do STJ assevera: “compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima”.

De efeito, assentou-se na doutrina e, de certa forma na jurisprudência, que o simples motivo de o índio figurar como réu ou vítima não é suficiente para atrair a competência da Justiça Federal. Para tanto, imprescindível a existência de disputa sobre “direitos indígenas”, transcendendo aos limites do interesse individual. A questão debatida deve ser de interesse da comunidade indígena,  pois potencialmente a decisão poderá atingi-la.

Sobre o Estatuto do Índio (Lei 6.001/73), outrossim, interessante a previsão do art. 57: “Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias, de sanções penais ou disciplinares contra os seus membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em qualquer caso a pena de morte”.

A questão para refletir: tal dispositivo foi recepcionado pela Constituição Federal, que reservou ao Poder Judiciário o monopólio da Jurisdição? Poderia outro aplicar “sanções penais”?

A princípio, parece-nos que o dispositivo mereça interpretação conforme a Constituição, não se excluindo a possibilidade de o interessado acionar o Poder Judiciário, à semelhança do que ocorre com as decisões administrativas.   

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Delações anônimas e investigação policial

9 09-03:00 dezembro 09-03:00 2010 1 comentário

Inquérito policial e denúncia anônima

A 2ª Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia o trancamento de ações penais movidas contra a paciente, sob a alegação de que estas supostamente decorreriam de investigação deflagrada por meio de denúncia anônima, em ofensa ao art. 5º, IV, da CF. Ademais, sustentava-se ilegalidade na interceptação telefônica realizada no mesmo procedimento investigatório. Reputou-se não haver vício na ação penal iniciada por meio de denúncia anônima, desde que seguida de diligências realizadas para averiguação dos fatos nela noticiados, o que ocorrido na espécie. Considerou-se, ainda, que a interceptação telefônica, deferida pelo juízo de 1º grau, ante a existência de indícios razoáveis de autoria e demonstração de imprescindibilidade, não teria violado qualquer dispositivo legal. Concluiu-se que tanto as ações penais quanto a interceptação decorreriam de investigações levadas a efeito pela autoridade policial, e não meramente da denúncia anônima, razão pela qual não haveria qualquer nulidade.
HC 99490/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.11.2010. (HC-99490)

 

O entendimento adotado pela Eg. 2ª Turma reflete a tendência da jurisprudência e doutrina majoritárias.

Com efeito, há quem sustente a impossibilidade de instauração de inquérito policial a partir de delação anônima, pois a Constituição Federal veda o anonimato (art. 5º, IV). Ademais, isso impossibilitaria a responsabilidade criminal do delator, caso inverídica a narrativa.

De outro lado, na esteira do posicionamento da 2ª Turma, argumenta-se que inexiste qualquer irregularidade no início de investigações a partir de delação apócrifa.

É porque o art. 5º, §3º, do CPP, faculta a qualquer pessoa noticiar a ocorrência de um delito à Autoridade Policial, podendo inclusive esta agir de ofício. De qualquer sorte, antes de instaurar o inquérito policial, deverá a Autoridade realizar diligências prévias para averiguar a procedência das informações colhidas.

Com efeito, afasta-se o temor das delações infundadas, já que o inquérito policial será instaurado apenas se – após as diligências prévias- constatar indícios suficientes.

Em suma, as delações anônimas podem deflagrar diligências prévias por parte da Autoridade Policial e, uma vez constatada a procedência, instaura-se o inquérito policial.

 

 

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Critérios de indicação para ministro do Supremo

9 09-03:00 dezembro 09-03:00 2010 2 comentários
Abaixo, o meu artigo, publicado no site do Conjur
COMPOSIÇÃO HETEROGÊNEA

Critérios de indicação para ministro do Supremo

Recentemente, a mídia veiculou a notícia de que Luiz Inácio Adams, atualmente advogado-geral da União, seria indicado pelo presidente da República a ocupar uma das cadeiras de ministro do Supremo Tribunal Federal.

Idade entre 35 e 60 anos, bem como notável saber jurídico e reputação ilibada são os requisitos constitucionais exigidos para se exercer a jurisdição na mais alta Corte do país (artigo 101 da Constituição).

Que o provável indicado possua tais requisitos não se nega, até porque do contrário não teria sido escolhido pelo presidente da República para defender os atos deste, como advogado-geral da União.

Todavia, a prática rotineira do atual governo, a imprescindibilidade de ocupar o assento de advogado-geral da União para depois galgar a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal – a exemplo dos atuais ministros do STF, Gilmar Mendes e Dias Toffoli – faz refletir se não há necessidade de mudança nos critérios de escolha.

A permanecer a forma de indicação dos ministros da Suprema Corte brasileira, num futuro próximo, o STF poderá estar ocupado por pessoas com notório saber jurídico e reputação ilibada, mas cuja vivência forense se deu apenas na defesa do Poder Executivo, como AGU. Saberão bem compreender o cotidiano e a vivência prática apenas deste segmento, em detrimento dos demais ramos.

O ideal seria que o detentor dessa importante missão institucional (indicar os membros da mais alta Corte do Poder Judiciário nacional), pautado pelos mais retos princípios éticos, disso se conscientizasse. Com isso, refletisse sobre a importância de o Supremo Tribunal Federal estar composto pelos vários segmentos da sociedade, não se olvidando principalmente da importância dos magistrados de carreira naquela composição.

Sim, pois atualmente apenas o ministro Cezar Peluso é magistrado de carreira, aprovado no concurso público, passou por inúmeras comarcas, desde o interior à capital, até chegar ao mais alto posto do Poder Judiciário. Mas aposenta-se em 2012.

Corre-se o risco de o STF, órgão máximo do Poder Judiciário, não contar com a presença de juízes e com a importante experiência prática deles, os quais foram aprovados em concorrido certame, judicaram em praticamente todos os tipos de lides e conhecem de perto a realidade de comarcas interioranas, de médio e grande porte como as capitais.

O mesmo se diga das demais funções, elencadas pelo constituinte como essenciais à Justiça (capítulo IV, da Constituição). Se bem que, quanto a elas, a atual composição do STF mostra certo equilíbrio em números. Ao contrário da presença de magistrados (incluído aqui os desembargadores). Ou será que os demais operadores do Direito não possuem notório conhecimento jurídico e reputação ilibada para ocuparem assento no STF?

A importância do Poder Judiciário reside na constatação de que a Constituição Federal lhe reservou o monopólio da Jurisdição (artigo 5º, XXXV, da Constituição). A ele incumbe a missão de proclamar o Direito em última instância, às vezes em detrimento do Poder Legislativo ou Executivo.

Daí porque recomendável que a escolha dos componentes do STF, órgão máximo do Poder Judiciário, seja heterogênea. Para que não se passe – ao cidadão leigo – a impressão de que o Poder Executivo quer se infiltrar no Poder Judiciário e, por vias oblíquas, usurpar a reserva de Jurisdição outorgada pelo povo (por meio da Assembleia Constituinte) ao Judiciário.

Seria o descrédito da mais alta Corte Judiciária e, em última análise, o desprestígio da democracia. Pois ao STF incumbe assegurar os ditames da Constituição Federal, onde está inserida a previsão do regime democrático e da forma republicana de governo (artigo 1º da Constituição).